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O que um rinoceronte branco tem a ver com o surgimento das calçadas portuguesas?

Foi na virada do século XV para o século XVI, durante o reinado de D. Manuel I de Portugal, que Lisboa teve suas primeiras ruas calcetadas. A cidade receberia uma comitiva estrangeira. Para marcar a data, esperava-se a realização de um cortejo, marcado pela presença de um enorme rinoceronte branco, ricamente ornamentado. Para que o animal não ficasse sujo de lama, o que seria um grande problema, os governantes decidiram pavimentar as ruas com um material trazido diretamente do Porto. Esse foi o surgimento das ‘calçadas portuguesas’ ou ‘calçadas à portuguesa’.

(imagem extraída de Wikimedia)

+ ‘Calçadas Portuguesas’ versus ‘Calçadas à Portuguesa’

Primeiro é importante destacar que ambas só se tornaram conhecidas mundialmente após o século XIX. Também chamadas de ‘mosaico português’, são formas tradicionais de revestimento do espaço urbano. Elas possuem um incrível valor estético, principalmente em Portugal, onde são consideradas verdadeiras manifestações da cultura nacional. Para Lisboa, em especial, essas calçadas representam uma parte de sua identidade. Dentre tantas atrações emblemáticas da cidade, como suas igrejas, castelos, mirantes e outros monumentos, são esses os elementos diferenciados que mais atraem a atenção dos turistas.

O primeiro desenho desse tipo de calçada, que se tem conhecimento, era em “zig zag”. Somente na capital portuguesa há, hoje, cinco tipos de frisos e onze diferentes padrões. Todos seguem proporções muito equilibradas e harmônicas. No geral, no país, a forma mais conhecida é aquela de visual desordenado, geralmente elaborado por amadores. O papel dos jovens arquitetos é fundamental na recuperação e preservação dos motivos mais antigos e na concepção de novos.

(imagens extraídas de Wikimedia e Wikimedia)

A real diferença entre as ‘calçadas portuguesas’ e ‘calçadas à portuguesa’ está, justamente, no formato das pedras. A primeira tornou-se comum no século XX e é composta de pedras regulares e uniformes, onde as peças de diversos tons são posicionadas lado a lado. É por esse nome que a maioria das pessoas conhece a tradição. Já o segundo tipo surgiu muito antes, em 1500. Ele apresenta pedras irregulares, somente em branco e preto, onde cada peça complementa a outra.

(imagem extraída de Wikipedia)

+ Emprego do revestimento

A técnica do mosaico português, tipicamente lisboeta, pode ser vista empregada e apreciada em diversas partes do mundo. Ela está pelos Açores, em Macau e até no Central Park de Nova York. Aqui no Brasil, a calçada portuguesa pode ser encontrada nos mais variados espaços, internos ou externos, privados ou públicos, como no Largo de São Sebastião, em Manaus. Mas, foi através do planejamento urbano e paisagístico da cidade do Rio de Janeiro que ela ganhou maior fama.

Utilizar revestimentos em pedra portuguesa é comum em ruas e calçadas públicas. Eles podem ser empregados também em áreas próximas à água, como beira de piscinas ou passeios à beira-mar. Assim sendo, imitando as ondas do Oceano, que em 1906 foi inaugurado o tão conhecido calçadão de Copacabana. Essa obra teve como inspiração o Largo do Rossio, em Lisboa. Nos dois casos, as calçadas portuguesas passaram a representar uma espécie de referência bairrista e logotipo internacional.

(imagem extraída de Wikimedia)

+ Características do material

As calçadas portuguesas não são enfeites, elas são arte, obras-primas ligadas a um conceito de funcionalidade. Elas valorizam os espaços. Remetem à sofisticação e bom gosto. E encontram-se totalmente inseridas na história. Começando pelos romanos, os verdadeiros percursores da técnica. Por tudo isso, atualmente, os portugueses vêm elaborando petições públicas para elevar esse símbolo nacional como Patrimônio Nacional Imaterial da Humanidade.

(imagens extraídas de Wikimedia e Wikimedia)
(imagens extraídas de Wikimedia e Wikimedia)

Na confecção original das calçadas portuguesas, as rochas eram usadas como matéria-prima. Um exemplo é o calcário, que é utilizado atualmente em outras áreas da construção civil. Esse material tem granulação fina, é impermeabilizante, bastante resistente e rígido, absorve calor – o que torna os espaços calcetados mais frescos; permite bem o escoamento das águas e é antiderrapante, a não ser que receba polimento. Os tons de cores mais utilizados nos mosaicos portugueses são cinza escuro, preto e branco.

(imagem extraída de Wikimedia)

+ Mão-de-obra e manutenção

A arte de calcetar é dos calceteiros, figura que está intimamente ligada à cultura portuguesa. Partir e assentar as pedras facetadas são trabalhos realizados meticulosamente à mão e na posição de cócoras. Cada peça pode ter diferentes tamanhos, variando de quatro a treze centímetros de diâmetro. Primeiro, deve-se compactar bem o piso. Em seguida, é colocada a camada de pedra – coberta com pó de pedra, areia ou cimento, que é varrido para preencher as juntas.  E por último, é necessário compactar tudo novamente. Depois disso, basta a manutenção periódica, com água e sabão neutro.

(imagens extraídas de Wikimedia e Wikimedia)
(imagem extraída de Wikipedia)

+ Problemas de conservação

Infelizmente, para que essa tradição tipicamente portuguesa não desapareça, é importante que sejam formados novos calceteiros. Ocorre que, esse número tem diminuído drasticamente. Como resultado, as calçadas portuguesas têm passado por um período muito complexo de conservação. O que era arte está se tornando um risco para a segurança da população, principalmente os idosos. Com o passar dos anos e o polimento diário, feito pelo andar das pessoas, as pedras acabam desgastadas e escorregadias. Sem o devido restauro, elas vão se soltando. E por falta de conhecimento técnico, qualquer um faz os remendos sem o mínimo de cuidado.

Contribuem para a má conservação das calçadas portuguesas:

– O número reduzido de profissionais especializados no mercado;

– A má colocação ou a falta de manutenção;

– Os veículos – estacionados em locais proibidos, em cima dos passeios;

– A intervenção indevida de certas empresas, como as de energia elétrica – que passam cabos e dutos no subsolo, sem repor corretamente as pedras no lugar;

– A aceleração do polimento do calcário.

(imagem extraída de Wikimedia)

+ Projeto ‘Pavimentar Lisboa’

Por efeito dos problemas de locomoção de pessoas, gerados pela formação de buracos, peças soltas, pisos escorregadios, entre outros, a pedra portuguesa tem sido substituída por outros tipos de materiais. Em 2008, São Paulo trocou esse tipo de pavimento, em alguns espaços públicos, por concreto. Na mesma década, a cidade do Porto transformou sua zona central, onde as calçadas eram ilustradas com desenhos que contavam a história do seu vinho, com a substituição do material tradicional pelo granito.

Hoje, o projeto ‘Pavimentar Lisboa’ prevê dias contados para as calçadas portuguesas de Portugal. A Câmara Municipal de Lisboa decidiu, recentemente, buscar meios de facilitar a circulação de pedestres e melhorar a conservação dos espaços públicos. Com isso, houve a substituição, em alguns locais, das peças em calcário por um calçamento branco e liso, feito a partir da mistura de cimento e pedras lioz. Alguns arquitetos, historiadores e moradores da capital defendem a ideia de que essa mudança trará perdas irreparáveis à identidade histórica do país.

Então, qual a sua impressão sobre as calçadas portuguesas? Se gostou, assista ao vídeo abaixo e saiba mais sobre os movimentos de defesa dessa técnica tradicional!

FontesMundo PortuguêsArchdaily, UOLConstruindo Decor.


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