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Como o urbanismo pode combater a violência nas cidades (e Medellín tem sido um bom exemplo disso)

A criminalidade é apenas uma das várias faces da violência. Existem outros fatores interligados, como a pobreza, a desigualdade, o desemprego, o narcotráfico, a degradação urbana e ambiental. Infelizmente, embora ocorra em todas as zonas das cidades, é nas áreas periféricas que os problemas ficam mais evidentes. O medo se traduz nos muros altos, nas câmeras de segurança e nas cercas elétricas. Não demora muito para as unidades serem abandonadas, ficando à mercê do tempo e em condições precárias, estimulando ou potencializando a delinquência no local.

“A cultura do medo só gera mais violência e a dificuldade em respeitar as diferenças.” – estudioso Cesar Barreira, em entrevista para revista Carta Capital.

A falta de planejamento urbano permite desenvolvimentos imobiliários errôneos, que impedem a convivência das pessoas em ruas e calçadas. Nas metrópoles latino-americanas, vê-se um crescimento mais ordenado nas áreas centrais. Os territórios afastados acabam esquecidos pelo estado. Há dificuldades no assentamento das famílias, na construção de moradias, na consolidação dos espaços, na implantação dos serviços de infraestrutura, bem como na conectividade com o resto da cidade.

(imagem extraída de Pixabay)

+ O planejamento urbano como solução

Há muito, o homem aprendeu a influenciar comportamentos através da alteração de características ambientais, visando, assim, obter certas reações ou atitudes. Então, o planejamento urbano, por exemplo, também pode ser uma boa ferramenta no combate à violência nas cidades. Dando um novo desenho ou ordenação às áreas afetadas já seria possível amenizar – talvez, com sorte, até eliminar – seus problemas mais graves. Poderia, com isso, garantir mais segurança e integração para todos. Também, recuperar a economia e estimular todas as ideias inovadoras.

Uma cidade é como um grande organismo vivo, sujeito às doenças. O planejamento urbano, por vezes, é a cura para suas partes mais doentes. Intervenções públicas, quando bem realizadas, podem transformar diferentes setores de uma cidade, principalmente as periferias. Os profissionais devem usar a arquitetura para intensificar vivências urbanas, diminuir a segregação social e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. ‘Integração’ deve ser o lema mais importante do seu trabalho.

(imagem extraída de Pixabay)

+ Cartografia urbana e o plano de aprimoramentos

“A segurança dos espaços urbanos é favorecida pelos ‘olhos da rua’, ou seja, pela quantidade de pessoas.” – Jane Jacobs, escritora e ativista política do Canadá.

Arquitetos urbanistas devem começar sua análise mapeando todas as áreas das cidades, diagnosticando todas as suas diferenças e contrastes, destacando as zonas mais inseguras e degradadas, principalmente de ocupação irregular do solo – uma verdadeira cartografia urbana. Não podem ficar de fora desta análise bacias hidrográficas e áreas em risco ambiental. Depois de identificar todas as patologias geográficas seria o momento ideal para iniciar o novo plano de aprimoramentos, incluindo questões como mobilidade, educação, construção e apropriação de espaços públicos e áreas verdes.

(imagem extraída de pxhere)

São pontos que precisam ser reavaliados pelos arquitetos urbanistas durante a elaboração do plano de aprimoramentos:

  • O desenho arquitetônico da região – que possa vir a atuar, no futuro, como um meio de vigilância natural, dando aos criminosos a sensação de que o risco de ser capturado é mesmo alto;
  • As obras edificadas – melhorando a qualidade de vida e reduzindo a criminalidade com a construção de novas escolas, bibliotecas, postos de saúde, praças, espaços culturais e mais;
  • As condições ambientais – que possam evitar a criminalidade ou outros comportamentos indesejáveis; e
  • As atividades locais – controlando de entrada e permanência de pessoas em áreas de trabalho, lazer e de serviços públicos, estimulando a integração e solidariedade entre vizinhos e criando uma noção de cidadania.

 

+ Caso de sucesso

Talvez a transformação urbana mais conhecida seja a de Nova York, que criou e implantou, entre os anos 80 e 90, o programa ‘Tolerância Zero’.  Isso fez a cidade se tornar uma referência mundial no combate ao crime. Mais próximo da realidade brasileira, Medellín é a segunda maior cidade da Colômbia. Ela tem reavaliado, há mais de vinte anos, seu planejamento urbano, altamente afetado pela insegurança pública, violência e acidentes de trânsito. Com auxílio do arquiteto Gustavo Restrepo, a população tem trabalhado para transformar a região no melhor modelo de desenvolvimento sustentável do mundo.

“Medellín, la más educada”

O foco inicial foram os bairros mais pobres e isolados, onde o solo é mais barato. As famílias começaram a ficar sem dinheiro, porque as oportunidades de trabalho ficavam longe. Muitos optaram por se mudar, simplesmente abandonando as residências e deixando a área livre para ocupação dos bandidos. A erradicação da violência começou por meio da educação e do resgate cultural das comunidades. Foram construídas mais escolas, parques, bibliotecas, ciclovias, calçadões e outros espaços de cultura e lazer.

(imagem extraída de Pixabay)
(imagem extraída de Wikipedia)

+ Os maiores desafios para os projetistas

Existe um consenso popular de que o Brasil está despreparado quanto ao desenvolvimento de suas cidades. Não adianta o poder público investir milhões em campanhas e recursos espaciais de segurança, como grades e cercas, se a ordem urbana não for repensada. Para que os problemas não se perpetuem, a abordagem dos políticos precisa mudar. Tudo precisa ser tratado de maneira diferente.

Primeiramente, não se pode cuidar de um item por vez, a transformação precisa ser integral. Segundo, toda e qualquer intervenção precisa respeitar as condições históricas, sociais, econômicas e culturais de cada região, para causar apenas impactos positivos na vida das pessoas. E, por último, o planejamento urbano deve sempre primar pela dinamização dos espaços, porque espaços não dinâmicos serão sempre mais propensos à violência.

Fontes: Cidades SustentáveisAUArchculturaMinistério Público do Distrito Federal e Territórios.


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